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sexta-feira, 7 de julho de 2017

Recordando Roberto Carlos através do início do Portal Luso - Brasileiro Splish Splash


 A Roberto Carlos, por todas as canções que ele fez pra mim


Pegou a cifra, ainda feita a mão e na presença dele. Recordou, com carinho, as tantas horas que ela ficou compenetrada feito moleca, ansiosa por achar o tom certo da canção que fazia pra ele. Ela ia e voltava, parava numa frase, numa melodia. Às vezes parava de cantar e dedilhava algo no violão. Olhou-a com ternura, tentando fazer com que a carícia de suas mãos nos cabelos dela a ajudasse a encontrar o caminho que sua inspiração queria.

A cifra permanecia ali, intacta, com todas as marcas de lápis apagado com borracha, com algumas coisas acrescentadas a caneta de última hora. Lembrou-se do momento em que disse que ela não precisava mais mudar, já estava lindo. Mas ela riu. Passou a mão em suas bochechas e fez seus lábios se encontrarem aos dele, dizendo "coisa de artista perfeccionista, meu bem".

Era tão difícil olhar os arredores do apartamento. A metade do armário vazia. A porta do banheiro entreaberta mostrando a pia na qual não tinha mais a escova de dente dela. Nem as calcinhas penduradas na parte de fora do box. A mesinha, antes tomada por livros de música e canções prontas ou iniciadas em papel, agora tinha um vazio. Mesmo quando ela falou que ia embora para nunca mais voltar, ele decidiu não mais tocar naquela parte. Na parte que era dela. Ia sentir-se profanando um sagrado lugar de inspiração. Ia ficar sem ela, sem os detalhes das muitas vezes em que recebeu como primeira imagem ao acordar ela nua, de costas para ele, mergulhada em alguma melodia. A ausência doía, mas ao menos precisava ainda ter algo de concreto da falta dela. Caso contrário, ficaria entregue ao abstrato sentimento de perda, e iria se remoer ainda mais em sua amargura.

Olhou para a cabeceira. O porta-retrato estava virado para baixo. Evitava sim, evitava, mas era como uma compulsão ver novamente ela sorrindo. Ele que não queria vê-la triste e, para isto, deixou que ela fosse embora e o sufocasse de saudade. Pegou o porta-retrato. Com os dedos, desenhou a silhueta dela. Mas logo voltou para a cifra.

A música já estava acabando de tocar no rádio. Neste tempo todo, tinha procurado, de todas as formas de fugir do sucesso dela e do sucesso da canção que ela fez pra ele. Não adiantou. A voz delicada e a beleza em letra e melodia saltaram aos ouvidos da mídia. Ela era a sensação do cenário musical.

Contou no relógio os três minutos e cinquenta segundos do período de duração da música. A lágrima borrou um pouco o finzinho da cifra. Ficou constrangido mesmo sabendo que ela não ia tomar conhecimento disto. O rádio começou a tocar um outro sucesso capaz de grudar nos ouvidos. Desligou e tentou dormir. Mas, ao se ver abraçado com a cifra, decidiu ligar para a emissora. Queria ouvir a canção que ela fez pra ele novamente. Ao menos lá, no rádio, o mundo seria diferente de tudo o que restou da ausência dela.
Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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