MATEMÁTICA
O presidente Abraham Lincoln escolheu o general Ulysses S. Grant
para liderar as forças do Norte na Guerra Civil americana porque Grant, segundo
Lincoln, não tinha medo da matemática. Além de ser um reconhecido estrategista,
Grant não hesitava em ordenar ataques frontais ao inimigo sabendo que a
contagem de baixas seria horrorosa. A tétrica aritmética da Guerra Civil
americana só seria
superada pela da Grande Guerra de 1914, quando milhares de
vidas podiam ser sacrificadas num só dia por nada -
como na batalha do Somme, em que 50 mil soldados ingleses morreram avançando
contra fogo alemão sem que um metro de terreno fosse conquistado. Na verdade,
mais de três milhões de seres humanos foram sacrificados nos três anos da
Primeira Guerra Mundial sem que a frente de batalha se movesse, para um lado ou
para o outro, mais de algumas milhas. Nos dois lados haviam generais dispostos
a enfrentar a aritmética. Durante três anos, generais, governantes, políticos,
intelectuais, imprensa e povo dos dois lados conviveram, patrioticamente, com a
aritmética. Justificando-a ou - o mais cômodo, pelo menos para quem não estava
numa trincheira - ignorando-a.
A Guerra de 14 foi um exemplo extremo de estupidez militar e
civil e até hoje historiadores discutem as causas reais de tamanha insensatez
coletiva. Mas ela teve seus justificadores. Era a Europa liberal resistindo ao
militarismo alemão. A Guerra Civil americana também tinha tido, pelo menos na
superfície, a justificativa nobre da abolição da escravatura. A aritmética do
terror aéreo que a Alemanha lançou na outra grande guerra, a Segundona, depois
de ensaiá-lo na Espanha, teve por trás o sonho pan-germânico de Hitler, que só
virou coisa de louco porque ele perdeu. A aritmética dos campos de extermínio
nazistas era justificada pela purificação da raça ariana. A aritmética dos
bombardeios gratuitos de Dresden e de Hiroshima e Nagasaki se justificava como
castigo para quem tinha começado a guerra. A aritmética dos gulags e dos
expurgos stalinistas se justifica pelo ideal comunista. A aritmética do
terrorista suicida palestino se justifica por uma causa, a aritmética da
represália israelense se justifica por outra. E há tantas maneiras de ignorar a
aritmética como há de defendê-la, ou exaltá-la como uma virtude militar, como
Lincoln fez com Grant.
No Brasil convivemos com a desigualdade e com um exercito de
excluídos que não são menos vitimas de um descaso histórico por serem um
genocídio distraído, com o qual nos acostumamos. Mas a matemática do descaso
histórico nos bate na cara todos os dias.
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