Ricardo Jorge,
o romântico aficionado
“Senhor Ricardo, preciso da sua
ajuda”. “Amigo João, estou às tuas ordens”. Ricardo Jorge, falecido em
12/05/2007, aos 76 anos de idade, era um daqueles homens que fazem da simpatia
o traço contínuo do carácter.
Bastava o repórter estar aflito por
ter de escrevinhar algo sobre tauromaquia, que sabia, de antemão, quem ia
“desenrascar o problema”. De resto, para escrever em verdade absoluta, nem
sequer chegava a existir problema. Ricardo Jorge falava de toiros e toureiros
com a mesma naturalidade com que o comum dos mortais bebe água para saciar a
sede.
Pelo telefone, na redação (quer do
Diário Insular, quer do jornal A União, entretanto encerrado pela Diocese de
Angra) ou na mesa de um qualquer café, nunca deixava que a falta de
conhecimento do jornalista amputasse o teor da notícia. Não se limitava, porém,
a responder às questões.
Praticamente sem perceber patavina do
assunto, para mim era um verdadeiro prazer escutar tão respeitável crítico
tauromáquico.
As suas explicações (salpicadas por um
sentido de humor delicioso) abriam os sentidos para a plenitude da festa brava.
As histórias apresentavam sempre uma
projeção global. Todas os personagens, do ilustre artista à figura mais humilde
e castiça, eram magistralmente apresentados em cada história, como se envergassem
“trajes de luces”.
O relato era tão convincente que o fio
condutor só podia ser entrelaçado pelo amor. O mesmo amor que fazia da família
e dos amigos um tesouro sagrado.
Era um afago para a alma ver os seus
olhos a brilhar, acompanhados por um sorriso de criança deslumbrada, enquanto
desbobinava as suas perspetivas sobre a ilha, a sociedade, as festas e os
costumes.
Irradiava uma gentileza que destoava
com uma vivência cujo ritmo é capaz de nos brutalizar, levando-nos a brigar
mesmo com as pessoas que mais amámos.
Ricardo Jorge não era de brigas. Mesmo
a falar da bravura de um toiro, nunca conseguia despir a sua capa de eterno
romântico. No fundo, comportava-se como um aficionado pela vida. Há uma década
que sinto a falta da saudação “amigo João”, transportadora de puro sentimento,
para início de cada conversa.
Com um amigo desta grandeza moral, era
de todo impossível ficar encostado às tábuas.
Deus o tenha num lugar onde também
faço votos de estar.
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