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sábado, 24 de novembro de 2018

De Rui Almeida Jornalista da Deutsche Welle



“FAROL DE NEVOEIRO” – 25 novembro


A cultura da “não resposta”

Pode não ser adotado pela maioria das organizações, mas é um procedimento fundamental no relacionamento e na comunicação interna e externa de qualquer empresa: a resposta. A capacidade de uma resposta rápida e eficaz. Ainda que não seja, por vezes, conclusiva, ainda que remeta determinado assunto para novas avaliações, ainda que adie soluções, ainda que seja absolutamente negativa em relação às pretensões da mensagem inicial… uma resposta é essencial. E faz, de resto, parte do manual de funcionamento e relações públicas das principais empresas, como deveria fazer parte das regras assumidas e interiorizadas de boa educação de qualquer um de nós.

Num tecido social e tecnológico em que as vias de comunicação estão permanentemente disponíveis, acessíveis e abertas, a capacidade de “responder” deveria ser tão imediata como a necessidade de respirar. Dizem os manuais que um estímulo provoca uma resposta, mas infelizmente esta é uma constatação científica cuja aplicação à prática, nas relações institucionais – e não só… - está longe de corresponder à realidade. “Mails” que ficam esquecidos, telefonemas que não são atendidos ou devolvidos, mensagens que esbarram na indiferença, fazem parte da infindável lista de situações em que, para alguns se defenderem, a maioria fica… a falar sozinha.

Tenho, por “deformação” mas igualmente por absoluta necessidade profissional, uma perspetiva muito anglo-saxónica das organizações. Isso significa noção de tempo e de espaço, planeamento de médio e longo prazo, definição estratégica e cumprimento de prazos e objetivos. Nem sempre é possível levar projetos a bom termo em tempo útil. Há variáveis cujo controle nos escapa, cuja imprevisibilidade torna difícil a observância rigorosa de cronogramas que, antes, nos pareciam perfeitamente exequíveis. Mas (e por maioria de razão nestas situações) é essencial a capacidade de intervenção no campo da comunicação. Falar, transmitir dificuldades, encontrar alternativas. Voltar a falar. Contactar, reformular e reprogramar. Mas sempre continuando a falar.

Portugal é paradigma do contrário. Enquanto as redes sociais servem de montra (e de refúgio…) para a comunicação fácil e imediata, as mesmas ferramentas que as moldam não servem para responder a quem nos contacta. Um assessor do governo que não responde a mensagens (talvez haja receios de registos escritos, talvez seja essa uma das razões…), um empresário que não atende telefonemas (talvez constrangido por pagamentos em atraso…), um deputado que finge não ler o que lhe escrevem (mesmo quando os motivos podem ser do seu interesse), uma empresa que “deixa cair” reclamações ou sugestões, nem sequer devolvendo, em correio digital, um agradecimento ou uma consideração. Há de tudo um pouco, e de tudo um pouco tenho provado ao longo dos anos, embora, por ser verdade, se deva também sublinhar que este não é um procedimento padronizado. Há momentos e situações contrárias, em que as respostas surgem com rapidez e eficiência. Mas são cada vez mais raros. E, sobretudo, surgem quando empresas ou pessoais em nome individual podem obter dividendos dessa comunicação, têm interesse imediato na sua continuidade.

Do ponto de vista profissional, não há pior indicador do que, investidos em funções que “obrigam” a uma interação permanente e atenta, nos refugiemos no silêncio, deixemos os interlocutores sem ação, recusemos a possibilidade de explicar uma situação ou clarificar um enquadramento. Quando isso sucede, os motivos costumam ser simples: falta de coragem, de à-vontade, de resposta para dar, de algo de novo para dizer. Ato contínuo… o silêncio. E este, embora por alguns possa ser entendido como (a pior das) respostas, é, no essencial, uma manifestação clara de desprezo, de falta de educação, até – muitas vezes – de “superioridade” em relação a quem se encontra do lado oposto da mensagem.

Conheço “por dentro” o funcionamento de empresas do norte da Europa neste particular. Há uma absoluta cultura de exigência em relação ao modo e ao tempo como são tratadas as comunicações. Seja internamente, com o estímulo permanente ao estabelecimento de “pontes” entre os diversos setores e segmentos de funcionamento, seja para o exterior. Faz parte, aliás, dos planos de formação profissional: nenhum “mail” deve ficar sem resposta, todos os contactos devem ser devolvidos, as explicações pedidas devem ser dadas, os projetos devem ter andamento de acordo com as expetativas de quem os propõe, ainda que, numa primeira fase, as respostas possam ser abertas e inconclusivas.

Falamos de cultura das organizações. De respeito. De hábitos e rotinas de abertura. Ou do seu contrário. De falta de educação. Da cultura da “não resposta”.

Rui Almeida
Jornalista da Deutsche Welle

Carlos Alberto Alves

Sobre o autor

Carlos Alberto Alves - Jornalista há mais de 50 anos com crónicas e reportagens na comunicação social desportiva e generalista. Redator do Portal Splish Splash e do site oficial da Confraria Cultural Brasil-Portugal. Colabora semanalmente no programa Rádio Face, da Rádio Ratel, dos Açores. Leia Mais sobre o autor...

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