É longo o historial de Carlos do Carmo, um fadista amigo dos jornalistas, nomeadamente os de A Bola. Cheguei a reencontrá-lo no seu e nosso Bairro Alto. O condão de ter seguido as pegadas da mãe, a inesquecível fadista Lucília do Carmo. Vamos, pois, dar a conhecer um pouco do Carlos do Carmo, por via de uma pesquisa feita no Google. Por uma questão de princípio, não quisemos recorrer ao seu facebook.
Infância e juventude
Filho
de Alfredo de Almeida, comerciante de livros e, posteriormente, proprietário da
casa de fados O Faia, e de sua mulher, Lucília do Carmo,
uma das mais populares fadistas de sempre, Carlos do Carmo nasceu na Mouraria, na Maternidade Magalhães Coutinho, e passou a
infância no bairro da Bica.
Estudou no Liceu Passos Manuel,
antes de partir para a Suíça, onde frequentou o Institut auf dem
Rosenberg, um colégio alemão situado em São Galo. Nessa escola, que frequentou
durante três anos, estudou intensamente línguas
estrangeiras, tornando-se fluente em francês, inglês, alemão, italiano e espanhol.
Depois, já em Genebra, obteve um diploma
em Gestão Hoteleira.
Anos 60 — a carreira artística]
Empregado
na Companhia
Nacional de Navegação, a morte do pai, em 1962,
levou Carlos do Carmo a assumir a gerência d' O Faia, que era já uma das casas
de Fado mais concorridas da capital. N' O
Faia começou a atuar para os amigos e clientes mais frequentes da casa, até que
em 1964 abraçava definitivamente a carreira
artística.
O surgimento de Carlos do Carmo como fadista
dá-se após gravar com Mário
Simões uma versão de Loucura, fado de Júlio de Sousa, interpretado também por Lucília do Carmo.[6]O
fadista afirma que escolheu o Loucura porque era o único fado
de que sabia a letra.[7] Se bem que habituado a ouvir o Fado desde
criança, quer na voz de sua mãe, quer na voz de outros intérpretes, como os
fadistas populares que ouvia nas verbenas de Lisboa ou dos artistas que passavam pel'O
Faia — Alfredo Marceneiro, Maria Teresa de
Noronha ou Carlos Ramos,
para citar os que mais admirava[8] — o fadista viria a confessar
que, nessa época, andava afastado da canção tradicional de Lisboa. Ganhara gosto, no limiar da
adolescência, pela música de Luiz Gonzaga e Dorival
Caymmi, até se deixar fascinar, pouco mais tarde,
por Frank Sinatra e Jacques
Brel.
De resto, também o facto de
passar vários anos no estrangeiro, contribuíra para que Carlos do Carmo se
afastasse do Fado.
A
interpretação gravada com o quarteto de Mário
Simões é um desafio à forma tradicional de interpretação
do Fado: Carlos do Carmo canta este tema
acompanhado de piano, baixo, guitarra elétrica e um coro de vozes femininas.[10] A faixa começa a passar
regularmente na rádio e, em consequência do sucesso que tem, o fadista
estreante lança, logo no ano seguinte, um EP em nome próprio: Carlos do
Carmo com Orquestra de Joaquim Luiz Gomes.
Em 1967 a
Casa da Imprensa distingue-o com o prémio Melhor Intérprete e,
em 1970, atribui-lhe o prémio Pozal Domingues
de Melhor Disco do Ano, para o seu primeiro álbum, intitulado O
Fado de Carlos do Carmo, editado pela Alvorada em 1969.
Seria
o início de uma das mais exemplares carreiras do panorama musical português em
geral, e do Fado em particular.
Ainda
em 1964 casou com Maria Judite de Sousa
Leal, com quem teve três filhos, Cila do
Carmo, Alfredo Almeida e Gil do
Carmo.
Carlos do Carmo (1976)
Anos 70 — Ary dos Santos, Festival RTP da
Canção e Um Homem na
Cidade
À
entrada da década de 1970 Carlos do Carmo
grava diversos EPs e LPs, como O Fado em Duas Gerações, Carlos do Carmo
e Lucília do Carmo, Por Morrer uma Andorinha ou Carlos
do Carmo.
Entretanto,
depois de algumas aparições na televisão, Carlos do Carmo surge em 1972 como
produtor e apresentador de um programa semanal na RTP:
o Convívio Musical, por onde passam alguns dos grandes nomes da
canção portuguesa e internacional.
Subsequentemente ao 25 de abril,
no Festival RTP da
Canção de 1976,
em que esta adotou um modelo diferente do habitual, Carlos do Carmo foi o único
intérprete. Cantou oito canções, previamente selecionadas por um júri de dois
elementos: Manuel da Fonseca e Pedro
Tamen. As canções foram No teu poema (José Luís Tinoco), Novo
Fado alegre (José Carlos Ary
dos Santos/ Fernando
Tordo), Os lobos e ninguém (José Luís Tinoco), Maria-criada,
Maria-senhora (Tozé
Brito), Flor de verde pinho (Manuel
Alegre/ José
Niza), Onde é que tu moras(Joaquim Pessoa/ Paulo
de Carvalho) e Estrela da tarde (Ary
dos Santos/ Fernando
Tordo) — de entre estas seria Flor de Verde
Pinho, poema de Manuel Alegre e
música de José Niza, a canção
mais votada pelo público e, por consequência, aquela que interpretou em
representação de Portugal no XXI
Festival Eurovisão. A
participação daria o mote para a gravação do disco Uma Canção Para a
Europa.
Referência
obrigatória na história do Fado e na carreira de
Carlos do Carmo é o disco Um Homem na Cidade, editado em 1977 pela
Trova. Neste álbum o fadista interpreta poemas de José Carlos Ary
dos Santos, aliados a um conjunto de composições musicais
inovadoras, de autorias tão diversas como José Luís Tinoco, Paulo
de Carvalho, António Vitorino
de Almeida, Frederico de
Brito, Fernando
Tordo, Joaquim Luís Gomes, Mário Moniz Pereira ou Martinho
d'Assunção.
Com efeito, Carlos do Carmo deve grande parte
dos seus êxitos a Ary dos Santos,
entre eles Um homem na cidade (letra de Ary dos Santos e música de José Luís Tinoco[16]), Lisboa,
menina e moça (letra de Ary dos Santos, Joaquim
Pessoa e Fernando
Tordo, e música de Paulo de Carvalho[17]), Estrela
da Tarde (Ary dos Santos/ Fernando
Tordo), Novo
Fado alegre (Ary
dos Santos/ Fernando
Tordo[19]), O
homem das castanhas (Ary
dos Santos/ Paulo
de Carvalho[20]), O
amarelo da Carris (Ary
dos Santos/ José Luís Tinoco[21]), Sonata
de Outono (Ary
dos Santos/ Fernando
Tordo), Nova
Feira da Ladra (Ary
dos Santos/Frederico de Brito), Fado
varina (Ary dos Santos/ Mário Moniz Pereira, Fado
do Campo Grande (Ary
dos Santos/ António Vitorino
d'Almeida[25]), Balada
para uma velhinha (Ary
dos Santos/ Martinho
d'Assunção[26]), Menor
maior (Ary dos Santos/ Fado das Horas, Fado
da Lezíria (Ary
dos Santos/ Tozé
Brito
Mas
o fadista irá trazer, ao longo da sua carreira, outros novos autores para
o Fado, como José Luís Tinoco (No
teu poema, Os lobos e ninguém), José
Saramago (Aprendamos o rito), Manuela de Freitas (Fado
Penélope), Vasco Graça Moura (Nasceu
assim, cresceu assim), Nuno
Júdice (Lisboa Oxalá), Maria do Rosário
Pedreira (Pontas soltas, Vem, não te
atrases), Fernando Pinto
do Amaral (Fado da Saudade) ou Júlio Pomar (Fado do 112).
Anos 80 — atuações ao vivo e carreira internacional
Desde
as suas atuações n'O Faia, inicialmente de forma informal para amigos, que se
sucedem as apresentações ao vivo de Carlos do Carmo. As suas primeiras
digressões foram realizadas ainda no início da década de 1970,
com espectáculos em Angola, EUA e Canadá e,
em 1973, estreou-se no Brasil, cantando ao lado de Elis Regina, no Copacabana Palace, Rio
de Janeiro.
A
partir do ano de 1979, quando Carlos do Carmo abandona a gestão
d'O Faia, intensifica as suas apresentações fora do país. As suas passagens
no Olympia de Paris,
na Ópera de Frankfurt, na
Ópera de Wiesbaden, no Canecão do Rio de Janeiro,
no Hotel Savoy de Helsínquia, no Teatro
da Rainha em Haia, no Teatro de São Petersburgo, no Place
des Arts em Montréal, no Tivoli
de Copenhaga ou no Memorial da
América Latina em São
Paulo, são momentos muito altos na carreira do fadista.
Em Portugal salienta as suas apresentações
em locais como os coliseus de Lisboa e do Porto, o Casino Estoril, o Centro Cultural de
Belém, o Mosteiro dos
Jerónimos ou a Fundação
Calouste Gulbenkian. Em entrevista ao jornal A Capital, Carlos do Carmo revela que:
(...) cantar é um ato de prazer, mas sobretudo no palco, que é um
constante jogo de sedução, uma troca indescritível de sentimentos e emoções (...).
Carlos do Carmo (1976)
Com
efeito, a carreira internacional de Carlos do Carmo deve muito à sua passagem
pelo Olympia de Paris,
onde se apresentou pela primeira vez a 11 e 12
de outubro de 1980.
A estreia foi bem sucedida e o fadista recorda o momento em que interpretou a
canção La Valse A Mille Temps, de Jacques Brel: «A sala veio abaixo!»
(cf. Carlos do Carmo: Um Homem no Mundo, in RTP Play). Seguiu-se a primeira atuação
na Alte Oper de Frankfurt,
em 1982, palco onde teve tal sucesso que a
gravação do espectáculo foi editada em disco e regressou para atuar nos dois
anos seguintes.
Outro
facto assinalável nesta década e que marca a obra discográfica de Carlos do
Carmo é o lançamento de Um Homem no País, em 1984,
novamente um projeto em torno de poemas de Ary dos Santos, que se destaca como a primeira
edição em formato CD de um
artista português.
No
início de 1990 Carlos do Carmo sofre um acidente
durante um espetáculo em Bordéus, caindo do palco para a primeira fila
da plateia, uma queda de uma altura equivalente a um andar, que o obrigará a
uma longa recuperação. Em março de 1991 faz
o seu regresso no Casino Estoril,
apresentando um espectáculo intitulado Vim Para o Fado e Fiquei.
Demonstrando
inegáveis qualidades como comunicador, regressa à televisão, com um programa
como o seu próprio nome — Carlos do Carmo — transmitido em
mais de 30 emissões entre 1997 e 1998,
onde o fadista conversa com diversos convidados, sobre temas que vão desde
o Fado, à música em geral, mas também a outras
vertentes artísticas.
Em 2007 Carlos
do Carmo apresentou, no Museu do Fado, um álbum intitulado À
Noite, que reúne textos inéditos de Nuno Júdice, Fernando Pinto
do Amaral, Maria do Rosário
Pedreira, Júlio
Pomar, Luís
Represas, José Luís Tinoco e José Manuel Mendes,
para as músicas de fados tradicionais da autoria de Armandinho, Joaquim Campos e Alfredo Marceneiro.
Em 2010 junta-se
ao pianista e compositor Bernardo Sassetti para fazer o
álbum Carlos do Carmo & Bernardo Sassetti, onde recria canções
marcantes de outros intérpretes, entre elas Cantigas do Maio (Zeca
Afonso), Lisboa que amanhece (Sérgio
Godinho), Porto sentido (Rui
Veloso), Foi por ela (Fausto Bordalo Dias), Quand
On N'a Que L'Amour (Jacques
Brel) ou Gracias a la vida (Violeta
Parra).
Desde
o início da década de 2000, numa relação próxima
com as novas gerações do Fado, Carlos do Carmo promove
atuações conjuntas com novos fadistas. É o caso de Mariza; — Gala de Fado do Casino Estoril, a 8 de Junho de 2004,
por exemplo — ou Camané; concerto de
encerramento das Festas
de Lisboa, nos jardins da Torre de Belém, em 2006,
por exemplo.
Essas
ligações seriam reforçadas com a edição, em 2014,
do álbum Fado é amor, apresentado nesse ano no Coliseu dos Recreios, onde o fadista apresenta temas
gravados com Camané, Mariza, Ana
Moura, Aldina
Duarte, Cristina
Branco, Mafalda
Arnauth, Ricardo
Ribeiro, Marco
Rodrigues, Raquel
Tavares e Carminho.
Prémios e distinçõs
Carlos
do Carmo foi por duas vezes agraciado pela Presidência da
República com graus honoríficos — no final da década de 90,
mais precisamente, a 4 de Setembro de 1997,
o Presidente Jorge
Sampaio atribuiu-lhe o grau de Comendador da Ordem do
Infante D. Henrique;[39] posteriormente,
a 3 de dezembro de 2016 Marcelo Rebelo
de Sousa atribuiu ao fadista a distinção de
Grande-Oficial da Ordem do Mérito.
Em 2004 o
então Presidente
da Câmara Municipal de Lisboa, Pedro Santana Lopes,
atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Municipal, de grau ouro, o mais elevado.
Carlos
do Carmo recebeu diversos outros prémios, atribuídos pelos seus álbuns ou pela
sua carreira — em 1991, a Casa
da Imprensa, entrega-lhe o prémio Prestígio, no âmbito
da Grande Noite do Fado.
Em 1998, a SIC e
a revista Caras atribui-lhe o Globo de Ouro de Excelência e
Mérito; uma distinção que antes tinha sido atribuída a Mário Soares, David Mourão-Ferreira ou Ruy
de Carvalho.[41] Já
em 2002, o álbum Nove Fados e Uma Canção
de Amor, valeu-lhe um Globo na categoria de Melhor
Disco do Ano.
Em 2003 recebeu
o Prémio José Afonso,
atribuído pela Câmara Municipal da Amadora, na sequência do qual foi publicado o
livro Carlos
do Carmo, do Fado e do Mundo, uma entrevista biográfica
realizada por Viriato Teles.
Em 2008 recebeu
em Espanha, em conjunto com o poeta Fernando Pinto do
Amaral, o prestigiado Prémio Goya, na categoria de Melhor Canção
Original, com o Fado da Saudade. A canção faz parte da banda sonora
do filme Fados, que concorria à edição de 2008 daqueles
que são considerados os óscares espanhóis. No
entanto foram levantadas dúvidas sobre a verdadeira autoria deste fado.
Em 2014 torna-se,
a par da soprano Elisabete Matos,[43] no segundo artista português a
ganhar um Grammy, obtido na categoria Lifetime Achievement,
entregue apenas aos artistas pelo conjunto da obra que produziram ao longo da
sua carreira e não devido ao êxito que lograram com determinada canção ou
álbum. No mesmo ano, a 19 de novembro, o fadista recebe o Grammy
Latino de Carreira, no Hollywood MGM de Las Vegas.
Na
sequência do prémio volta a ser homenageado pela Câmara Municipal de Lisboa,
que lhe outorga, pela mão de António Costa, uma nova Medalha de Mérito
Municipal.
Também
a Rádio Comercial lhe
prestou uma singular homenagem, ao produzir um vídeo onde 35 cantores
portugueses de diferentes gerações cantam Lisboa Menina e Moça,
entre eles Paulo de Carvalho, Jorge
Palma, Rui
Reininho, Camané, Mariza, Ana
Moura, Tiago
Bettencourt ou David
Fonseca.
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