Eduardo
Coelho e o ardina, por António Augusto da Costa Mota (1904)
Por que razão Eça de Queirós e Ramalho Ortigão escolheram
o Diário de Notícias para
publicar O Mistério da Estrada de Sintra?
“Essa é a one million dollar question”, responde rapidamente Carlos Reis,
professor universitário e investigador da obra de Eça de Queirós. Para
prontamente revelar: “E eu sei a resposta. Conhece a estátua de Eduardo Coelho
[fundador do DN, a 29 de dezembro de 1864], que está no Jardim de São Pedro de
Alcântara, em Lisboa?”
Quando ouve “sim, a do ardina” atalha logo: “a resposta
passa precisamente pelo ardina”. E explica: “O Diário de Notícias foi o primeiro jornal a ser
vendido na rua, por ardinas, por isso era o de maior circulação em Portugal”. A
relação de amizade entre Ramalho Ortigão (1836-1915) e Eduardo Coelho
(1835-1889), frequentadores das mesmas tertúlias em Lisboa também não terá sido
alheia a esta escolha. Aliás, destaca Carlos Reis, “só a existência de uma
relação de amizade explica a publicação de um relato ficcional publicado como
se fosse real”.
Mas a primeira colaboração de Eça de Queirós com o Diário de
Notícias surgiu ainda antes da publicação, na forma de folhetim diário
d’O Mistério da Estrada de Sintra,
entre 24 de julho e 27 de setembro de 1870. Os primeiros textos do então jovem
Eça, apenas com 24 anos, foram as quatro crónicas que aqui republicamos,
fazendo “o relatório chato das festas de Port Said, Ismailia e Suez”, apreciava
o escritor na altura. E logo na primeira crónica Eça deixa a intenção: “Talvez
em breve eu diga o que é o Cairo e o que é Jerusalém na sua crua e positiva
realidade, se Deus consentir que eu escreva o que vi na terra dos seus
profetas”. Deus não consentiu. Como explica Carlos Reis, “de acordo com um
testemunho de Ramalho Ortigão, Eça projetou um livro com o título Jerusalém e o
Cairo, que nunca chegou a ser publicado porque não foi escrito”. No entanto,
essa viagem que fez na companhia do futuro cunhado forneceu material que o
escritor utilizou em alguns livros, “uma imagem do Oriente que ficou fortíssima
na sua obra”, refere o investigador. É o caso de A Relíquia – que “mostra
ainda toda a experiência da viagem” -, ou de A Correspondência de Fradique Mendes.
No entanto, grande parte do material que Eça de Queirós recolheu
nessa viagem – “uma coisa chiquérrima na altura”, enquadra o professor
catedrático – acabou por ser publicado já após a sua morte, pela família do
escritor, no livro O
Egito (1926) e em Folhas
Soltas (1966). O DN foi
o primeiro mas não o único jornal em que o escritor publicou artigos. “Eça de
Queirós escreveu milhares de páginas para jornais”, indica Carlos Reis. “Ao
princípio, como aconteceu com o Diário
de Notícias, para aparecer, para começar a publicar. Depois, para
ganhar a vidinha”. E relembra os inúmeros artigos que Eça publicou na Gazeta de Notíciasdo Rio de
Janeiro, nomeadamente a publicação de A
Relíquia – também em formato de folhetim como acontecera
com O Mistério da Estrada de Sintra –
logo em 1887, ano em que o livro foi publicado em Portugal. E mais uma vez as
questões práticas explicam a opção: “Evitar que se fizessem edições piratas”.
Uma situação que, esclarece, acontecia, por exemplo, com os escritores
franceses em relação à Bélgica ou os ingleses face ao mercado norte-americano.
(Marina Marques, “Eça de Queirós. De Port Said a Suez”, in Diário de Notícias, 29 de
dezembro de 2014, p. 111; ver http://www.dn.pt/inicio/tv/interior.aspx?content_id=4309935&seccao=Media)
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